Amilcar Bettega
De Lisboa
Porque era uma viagem longa, ela foi às árvores do pátio colher algumas frutas como provisão.
Apanhava-as sem escolher muito, sem prestar atenção no tipo de fruta ou se esta estava mais madura do que aquela, porque só pensava na viagem que tinha pela frente.
Tirou o casaco para fazê-lo de cesto improvisado e ao fim de meia hora tinha já uma bela braçada dos mais variados frutos. O exercício deu-lhe calor e uma moleza no corpo. Deitou na grama, ao pé de uma árvore que abria sua copa como um imenso cogumelo verde erguendo-se em direção ao céu.
Foi com essa imagem na cabeça, a do enorme cogumelo desenhado contra o céu, que ela pousou a trouxa plena de frutas (trouxa que fizera atando as pontas do casaco) junto ao tronco da árvore e estirou-se na grama.
Como dizer da beleza de um céu cinzento, ela se perguntou, deitada como estava, as costas estendidas na grama e olhando o céu filtrado pelos galhos da árvore. Havia nuvens escuras, e os galhos da árvore, ao mesmo tempo que protegiam seu rosto da luminosidade baça do céu, produziam sombras delicadas e inventavam tonalidades somente perceptíveis ali, sob a árvore, olhando para o céu cinza através dos galhos. Ela chegou a imaginar o próprio rosto coberto por uma rede de sombras, ainda que o sol estivesse oculto. Imaginou desenhado, impresso, um mapa sobre o rosto.
O sol estava oculto pelas nuvens, mas a luz do dia era densa. E ficar tanto tempo assim olhando para o céu produzia-lhe vertigem. Por vezes passava, muito alto, um bando de patos - ela resolveu que seriam patos, e percebeu, pelo som que emitiam, que eles voavam muito alto, que o som emitido pelos patos chegava desde muito longe -, e já ela perdia a noção da altura do céu acima dela.
Como dizer da beleza de um céu cinzento, ela pensou outra vez, sob o grande cogumelo verde. Havia muitas nuvens escuras. E a imagem do cogumelo desenhado contra o céu cinza insistia, mesmo se fechasse os olhos - ou principalmente se fechasse os olhos.
Não havia sol, a luz era baça, e isso ela sentia mesmo de olhos fechados.
Mas não pensou mais naquilo. Porque precisava levantar, porque tinha uma longa viagem. E agora ela contava com uma bela braçada de frutas.
Abriu os olhos e viu mais uma vez o céu cinzento. Espichou o braço, ainda olhando para o céu, e tocou a trouxa plena de frutas.
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Estava hoje cedo a ler algumas notícias me deparei com este conto, simplesmente excelente resolvi compartilha-lo.
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